Prémio Rafael Manzano
2015
Donald Gray nasceu na Austrália em 1935. Não estudou Arquitectura na universidade, mas foi aprendendo o ofício estudando diretamente os modelos tradicionais e compilando os ensinamentos dos artesãos que os mantinham vivos. Chegou a Espanha em 1959, rapidamente se apaixonou no espaço de alguns anos pelas suas paisagens e gentes. Desde essa altura não deixou de pintar, medir, analisar e desenhar as suas paisagens, aldeias, Arquitecturas até ao seu mais pequeno detalhe, tornando-se um grande conhecedor de todos eles. Desenhou e construiu a sua primeira casa em 1961 em Torrecuevas (Almuñécar, Granada) e a segunda uns meses depois a norte de Almuñécar, ambas na continuidade das tradições andaluzas e procurando promover ou recuperar os ofícios artesanais da região.
Mais tarde estas intervenções foram adquirindo uma dimensão mais urbana, procurando sempre recuperar a essência do urbanismo local, com a sua luz e a sua cor, as suas ruas, praças e pracetas, a sua vegetação e as suas fontes e monumentos, tudo o que estava a abandonar o modelo urbano destinado à rápida e lucrativa satisfação da procura do turismo de massas, que infelizmente estava e está a conduzir a transformação das costas andaluzas. Fez primeiramente uma pequena urbanização de onze casas, San Juan, no lado este do Río Verde entre 1963 e 1964. Apesar de tratar-se de um pequeno conjunto, nele aprecia-se já o que essencialmente caracterizaria os seus trabalhos posteriores: as formas tradicionais de criar uma paisagem intemporal, enraízada no lugar, concebido com um carácter próprio e pensado para enriquecer a vida da comunidade que o habite, para que esta se sinta vinculada e identificada com ele. Entre 1965 e 1966 fez uma urbanização maior, San Nicolás, perto de La Herradura, com um pequeno hotel La Tartana, distribuído em torno de um pátio tipicamente local. Este hotel tornar-se-ia um lugar muito bem sucedido, o favorito de famosos visitantes como Brigitte Bardot. Enquanto a paisagem da região se ia degradando com blocos de casas alheias a ela, estes conjuntos não só se integravam tão bem no lugar que pareciam ter estado sempre ali, como também atraíam as pessoas e foram um rotundo êxito comercial.
Em 1967 começou a urbanização Pueblo López, na altura rodeada de vegetação e situada entre Fuengirola e Mijas. Era inicialmente um conjunto de cerca de 50 casas, criado como um pequeno centro urbano para uma zona muito desestruturada, que precisava urgentemente de núcleos deste tipo. Tanto, que a publicidade da época anunciava-o ao turismo que o visitasse como se fosse o antigo centro histórico de Fuengirola. Posteriormente, seria ampliado em sucessivas fases por outros arquitectos que seguiriam parcialmente o exemplo do projeto inicial.
Com os mesmos critérios começou em 1969 a urbanização La Virginia, a oeste de Marbella, e em 1973 Las Lomas del Marbella Club, a maior, com 90 casas que se desenvolveram em várias fases. Os seus edificios, ruas e praças constituem uma mostruário de diferentes manifestações da Arquitectura andaluza, com enfase na de Marbella. Fez uso igualmente do legado andaluz na região, com alguns espaços inspirados nos modelos mouriscos que resistiram ao longo do tempo em alguns lugares da Andaluzia e do norte de Marrocos, país ao qual viajou muito para ter formação nestas tradições, muitas delas ainda vivas hoje em dia. Paradoxalmente, hoje este conjunto tornou-se um lugar protegido pela administração local, que nunca promoveu este tipo de Arquitectura e configuração urbana. O trabalho em las Lomas continuou até 1984. Durante estes anos realizou outros projectos, como Los Naranjos, de 10 casas, em Nueva Andalucía, e El Nuevo Pueblo Mijas, onde tentou recuperar o fascinante estilo original de Mijas, hoje tão deteriorado pelas últimas intervenções.
Em todos estes trabalhos teve de enfrentar o mesmo problema: cada vez havia menos profissionais que dominassem bem os ofícios tradicionais dos lugares nos quais trabalhava. Por isso, entre 1986 e 1989 foi o criador e director artístico da Escuela Taller de Lebrija (Sevilha), nascida ao mesmo tempo como um centro de reinserção social de gente da região e dedicada às diversas disciplinas conectadas com a Arquitectura tradicional da Andaluzia: alvenaria, carpintaria, forja, cerâmica, jardinagem e a restauração de edifícios históricos. Foi uma escola eminentemente prática, que foi progressivamente construída e embelezada com o trabalho dos seus própios alunos, e onde se formaram alguns dos melhores artesãos que hoje trabalham na Andaluzia. No entanto, apesar do seu êxito, o projeto morreu quando estava já assente e as autoridades que o apoiaram nos seus primeiros anos de desenvolvimento deixaram de se interessar por ele e cancelaram o seu financiamento. A magnífica equipa de mestres e artesãos que reunira ao seu redor para esta experiência, entraria futuramente noutros projectos semelhantes, ainda que em menor escala e duração, na região de La Alpujarra.
No mesmo período de tempo realizou o hotel rural Prado del Toro na mesma zona granadina. Esta região, protegida por altos vales de montanha, parecia estar a salvo, pelo menos em parte, da destruição à qual tinham sucumbido outras zonas de Andaluzia provocando o desaparecimento das maravilhosas paisagens que o tinham trazido até ali. Foi neste reduto ainda a salvo destes processos que fixou a sua residência, para a qual restaurou uma das suas singulares casas típicas, e ali centrou o seu trabalho desde então. Entre as suas últimas intervenções, localizadas já nesta área e, como o hotel Prado Toro, baseadas sempre na tradição local, poderia destacar-se o novo município de Pitres (Alpujarra), que desenhou em 2005. Em todos estes projectos trabalhou com artesãos também residentes na zona. Os trabalhos de alvenaria, forja, carpintaria ou azulejaria que acompanham cada um deles foram realizados respeitando os usos artesanais locais, contribuindo indiretamente para o desenvolvimento e a fixação de população numa região que viu a sua povoação e a sua economia muito fragilizadas nestes últimos anos.
Durante quase uma década, de 1997 a 2006, dedicou grande parte do seu tempo a trabalhar no desenho de um projeto para um grande hotel em Tenerife: Villa Erques. Tratava-se de um hotel em forma de aldeamento onde fez o design tanto da paisagem urbana, com os seus jardins, ruas e praças, como dos seus edifícios, tudo isto ao estilo tradicional das Ilhas Canárias. Infelizmente, este projeto não foi realizado, conservando-se, no entanto, uma magnífica proposta já completamente definida e o seu amplo estudo preliminar do urbanismo, da arquitectura e da construção da zona de Tenerife, aos quais dedicou dezenas de desenhos.
Hoje além de continuar a realizar edifícios tão alpujarenhos com as cada vez mais asfixiantes normativas lhe permitem, escreveu uma série de livros sobre as tradições arquitectónicas das diversas zonas de La Alpujarra procurando, com eles, aproximá-las da população que nela habita e a constrói, de modo a serem connhecidas e respeitadas.
Ato celebrado na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando (Madrid) em outubro de 2015
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